Café? Prefiro amargo.
O seu aroma forte e peculiar é uma espécie de despertador para o dia, que funciona como um género de mantra para enfrentar a azafáma quotidiana de Maputo. Aquele tom preto, carregado, na chávena branca é um contraste de cores que parece uma combinação pensada por Matias Ntundo, artista Makonde de xilogravura, ou executada por Psiconautah (Hugo Mendes).
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Para a minha mãe é um gosto estranho. Na nossa infância era com o chá que começavámos o dia, muito à la Englishman In New York de Sting. Ela não passa um dia sem. Mas teme o “ouro negro” pelo facto de poder causar arritmia, agitação, irritabilidade, nervosismo e insónia.
Muitas vezes me defendo argumentando que, por outro lado, o café é capaz de proteger a saúde do coração e prevenir doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson. “E, para piorar” – observa ela – “tomas sem açúcar”. Mas por uma razão simples: quero degustar o seu sabor sem nenhuma interferência externa.
Originário da Etiópia, em Kaffa, o nome dos grãos dos quais deriva o pó milagroso é a palavra árabe qahwa, cuja tradução é “vinho”. Daí que, quando chegou ao Ocidente, era conhecido como “vinho da Arábia”.
Na minha estadia no Brasil, em 2018, comprovei o seu poder – quase mitólogico – de vitalidade. Durante o Festival de Cinema do Rio, entre sessões de treino de crítica e de filmes, o tempo e a energia eram escassos. Nada como uma xícara para resolver!
Por essa experiência no Rio de Janeiro, não duvidei quando me contaram a história de um monge que, sabendo que um pastor alimentava as suas ovelhas com café para que estas percorressem maiores distâncias, passou a consumir este para resistir ao sono enquanto orava.
Enquanto tomo esta chávena, penso que o Alexei Karamázov, para as suas meditações, tomava uma igual. Só que ele não sabia, como descobri há pouco, que com matoritori, é a cena. Este último facto não altera o meu gosto pelo amargo, só que, pronto, às vezes é necessário adocicar a vida.
Edição 83 MAR/AGO| Download.
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