Lília Momplé – “Nunca vou desistir dos jovens”
A carreira de Lília Momplé, escritora Moçambicana nascida em 1935, caminha colada aos momentos históricos de Moçambique. Uma escritora que escreve por pressão, movida pelas vozes e vidas de personagens que procuram se eternizar e marcar o tempo, para que não se esqueça um passado que não se deve repetir: a brutalidade do colonialismo, a segregação, o racismo, as injustiças sociais ou as guerras, não importando a dimensão.
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A sua escrita, como ela própria afirma, é engajada: “Não sei escrever por acaso, escrevo porque me sinto honrada, escrevo pelo desejo de contar e de descarregar os meus segredos.” Num olhar à sua obra pode compreender-se o que move a escritora.
Um percurso feito sem promessas, antes, com coerência e um alto sentido de missão. E é com essa missão que olha para os dias de hoje ainda com a sensação de ter de escrever, não para justificar o título, mas sobretudo porque há que dar uma dimensão à realidade dos dias em que se vive num vazio.
“Não suporto a injustiça, amo o meu país e penso nos jovens. Os jovens são a vitalidade de um país e são o futuro. Sinto que há muitos jovens sem perspectiva e a culpa é nossa, os mais velhos. Temos de fazer alguma coisa. Fico triste quando vejo os adultos a apontar o dedo, sendo que há uma responsabilidade para apoiar.”
É aos jovens que aponta o seu discurso à escritora, como se compreendesse a urgência destes tempos. “Sou uma daquelas pessoas que nunca desiste dos outros. Então eu nunca vou desistir dos jovens”.
Escrevi o ´Ninguém Matou Suhura´ porque eu queria conversar com alguém sobre o que vi e vivi durante aquele tempo. Tinha de me revelar.
Pensar a contemporaneidade caminha com o que Lília Momplé procurou fazer ao direccionar a sua escrita para acontecimentos que marcaram a história.
É com o conto que lhe veio o reconhecimento. No livro de estreia, “Ninguém Matou Suhura” (1988) reúne, como definiu a própria autora, estórias que ilustram a história. São contos cujo enredo é Moçambique no tempo colonial, a opressão, o trabalho forçado, a violência no geral que esse regime ditou aos Moçambicanos. Os cinco contos são de uma carga emocional forte, dão alma a um tempo de angústias e terror, que não devia ficar no esquecimento.
“Sempre soube que um dia ia escrever, só não sabia quando. Escrevi o ´Ninguém Matou Suhura´ porque eu queria conversar com alguém sobre o que vi e vivi durante aquele tempo. Tinha de me revelar.” confessa Lília Momplé que, nestes tempos, olha para trás e conclui que “esse é um livro a que gostaria que todos, sobretudo os jovens, pudessem ter acesso e o lessem”.
A publicação de “Os olhos da cobra verde”, em 1996, foi a confirmação de um caminho com o percurso das vivências do povo. Passavam quatro anos depois do país ter mergulhado numa outra guerra. A escritora não podia sossegar. Escrever era urgente. Esse livro, também de contos, é mais um drama, estórias de horrores e perdão, enquanto nos transportam para um universo cultural Moçambicano: em algumas zonas de Moçambique, acredita-se que deparar-se com uma cobra de cor verde só atrai boas coisas. Mas para as personagens de Lília Momplé, nem tudo correu bem, num país dilacerado, onde há escassez de todo o tipo, onde as pessoas ainda há pouco estavam desavindas e com o barulho das armas, as desconfianças eram grandes. “A guerra não presta”, resume a escritora, numa analogia também ao que se vive no Norte do país e que é também devido, na sua análise, “à ganância e à miséria”.
Aos 89 anos, o peso da idade começa a fazer-se sentir, mas a áurea e o olhar profundo à sociedade continuam a comandar a vida da escritora Lília Momplé. O projecto de livro que se virá a intitular “Os Fantoches de Aço” parece ser uma certeza da vitalidade da escritora e um romance que deve ser lido com a mesma sagacidade com que se corre atrás dos grandes livros.
“É mais uma revelação de algo que me vai na alma, sobre os dias que vivemos. Onde as pessoas são insensíveis, pelos negócios. Tudo fazem pelo dinheiro. Pobres que sofrem e só discursos políticos vazios. Só para fazer negócios. É a Business Society. Essa sociedade não é a verdadeira Moçambicanidade, isso tira-nos a identidade. O que vale é o medíocre e não o desenvolvimento”.
Edição 83 MAR/AGO| Download.
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