Mauro Pinto – A voz da mina
Entra-se no ventre da Terra, atravessando um pano de feltro negro. Uma pequena lanterna, na testa, é o único socorro na escuridão. Entramos para uma outra dimensão, um lugar incómodo. Entramos nas trevas de uma mina.
À entrada, uma frase, “Não se morre de véspera”, quase uma epígrafe de Mauro Pinto, o autor de Blackmoney, o trabalho fotográfico fruto de sete anos de frequentações de minas.
“Mauro faz-se mina”, como se lê na brochura – assinada por C. Pereira Pinto – da exposição imersiva que está patente no Centro Franco Moçambicano desde o mês de Setembro. Com Blackmoney, Mauro Pinto leva-nos para a mina e convida-nos a fazermo-nos mina.
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Grande rigor plástico e um uso hábil da luz caracterizam toda a obra de Mauro Pinto. O seu nome está entre os mais conceituados fotógrafos contemporâneos de Moçambique, juntando-se aos nomes da grande tradição, como Ricardo Rangel e José Cabral.
Foi seleccionado para a Bienal de Veneza, em 2019, foi vencedor do Prémio BESPhoto em 2012 e conta com uma vasta participação em exposições individuais e colectivas, no mundo inteiro. Nasceu em 1974, em Maputo, onde vive e onde pela primeira vez experimenta uma exposição imersiva com “Blackmoney”.
Com passos inseguros, entramos no labirinto da mina de Moatize (na província carbonífera de Tete) com as fotografias de Mauro Pinto. A angústia apodera-se de nós. Cá e lá uns sapatos, uma farda militar…
A composição de Tiago Correia Paulo acompanham esta imersão que quer fazer com que nós nos sintam parte dela e usemos os nossos sentidos para explorá-la. Somos todos chamados a sermos protagonistas, a levantar a nossa voz, a reagir perante a injustiça para resgatar a nossa Humanidade.
Sobressai a primeira foto. E a seguir, nesta escuridão toda que entra como carvão na nossa pele, vem outra. São murros no estômago. São gritos silenciados aos quais Mauro Pinto dá-lhe voz. É a voz dos mineiros, a voz dos últimos.
Grande rigor plástico e um uso hábil da luz caracterizam toda a obra de Mauro Pinto. O seu nome está entre os mais conceituados fotógrafos contemporâneos de Moçambique.
Uma criança sobressai das trevas, quase que oferecida ao visitante. Uma dor imensa apodera-se de nós porque, paradoxalmente, representa a única esperança nessa densidade sem ar.
A noite das várias Chipangas são metáfora de quem morre sem viver, de quem vive morrendo na escuridão de uma mina, na escuridão de um “sistema vampírico… onde invernou a nossa dignidade”.
Blackmoney é uma chamada de atenção para que cada um de nós se assuma a responsabilidade da acção: “É um grito que traz para a luz as conivências e (in)conveniências da nossa suposta Humanidade”.
O fotógrafo vive com os mineiros e retrata-os. As veias, os calos, o carvão nas unhas e os poros da pele. A pá é uma autêntica extensão das mãos do mineiro. A máquina fotográfica a extensão dos olhos do fotógrafo. Mãos que escavam as minas de carvão no escuro, mãos que revelam os cantos do ventre da Terra. Olhos que se fazem mãos e revelam a dor do ventre da Terra e dos homens que lá, lentamente, morrem e com eles a nossa humanidade.
Mauro Pinto tem muito cuidado trazendo uma perspectiva da realidade mais densa e complexa e não meramente imediatista. Ele, que tem um compromisso como activista ambientalista, não se deixa levar pela onda panfletária. Não produz retórica fotográfica.
Como fotógrafo não abdica de ampliar o debate. Porque se é verdade que não se morre de véspera, também é verdade o contrário. Não se vive de véspera.
Edição 76 Nov/Dez| Download.
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