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Texto: Eduardo Quive

Fotos: Jay Garrido

Edição 75 Set/Out | Download.

SOL DE CARVALHO 

“O mundo fantástico real é uma fonte inesgotável de histórias”

Sol de Carvalho é dos mais destacados cineastas moçambicanos. Nasceu em 1953, na Beira, cresceu em Inhambane e fez a carreira em Maputo. Foi jornalista, é cineasta na vasta extensão do termo: escreve guiões, dirige e ocupa-se com a fotografia. No meio disso tudo tem de gerir uma histórica casa do cinema nacional, o Scala que é também um centro cultural. No cinema mesmo em documentários a ficção é uma companheira indispensável. Em pleno momento de rodagem do seu próximo filme, “Ancoradouro do Tempo”, refizemos o seu percurso profissional.

 É hoje um cineasta de renome, com produções reconhecidas. Olhando para o tempo pode  se dizer satisfeito com o rumo das coisas?

Estou satisfeito com a minha carreira, sim. Claro que podia ser melhor. Tive de fazer muitos filmes institucionais para poder ter condições para fazer os filmes de autor que eu gosto… mas há muitos anos que o cinema moçambicano vive, infelizmente, dos filmes institucionais… e não estou satisfeito com o “ rumo das coisas” porque apesar de uma lei já aprovada há muitos anos, os apoios concretos tardam a chegar…e não falo por mim, mas pelos jovens que esperam que as promessas se cumpram… A minha satisfação é que o talento não se perde…

Com o tempo a produção de filmes foi vivendo metamorfoses. Entre orçamentos apertados, desafios quanto a capacidade do elenco, condições técnicas, o trabalho de um cineasta em Moçambique será uma tarefa normal?

É tão normal como qualquer outra. No cinema, como na engenharia ou na medicina, há preguiçosos e os que trabalham arduamente. No caso dos filmes de longa-metragem, isso sim, é um pouco “anormal”, pois como os recursos são limitados, e tem grande concentração de equipamentos e pessoal, trabalhamos regularmente 11 horas por dia com uma para refeição e 6 dias por semana. Costumo dizer que é mais fácil ver do que fazer…

Não consigo compreender a realidade moçambicana se não conseguir perceber o mundo mágico africano.

Não podemos ignorar o facto de o filme “Mabata Bata” ter sido feito em xi-changana. Pouco comum no nosso cinema ou pelo menos nos níveis em que este foi feito e pela figura que o realizou. Pode falar-nos dessa experiência?

Fiz o “Muhipiti Alima” (1997) em Emakwa, a “A Herança da Viúva” (1997) em Xitsua e o “Mabata-Bata” (2017) em Xi-changana. É algo que encaro como natural, embora seja originário de língua portuguesa. O que talvez seja surpresa é o facto de no MABATA, o conto original ser o de Mia Couto que é muito conhecido pela originalidade com que escreve e, no caso, o português. Mas ele foi o primeiro a dizer-me para eu avançar em Xi-Changana. A opção é de fazer fluir melhor os personagens e criar mais identificação com o público e com o objecto do conteúdo do filme.

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De um modo geral algumas das suas principais criações vão para o realismo fantástico. Será o espelho do modo de vida moçambicano ou uma opção estilística?

As duas coisas. Eu não consigo compreender a realidade moçambicana se não conseguir perceber o mundo mágico africano. Em que realidade, no cenário de uma guerra, um “pequeno exército” se atira para a batalha com a convicção de que as balas se transformarão em água, como aconteceu com o caso dos Naparamas durante a guerra dos 16 anos? E depois, o mundo fantástico real é uma fonte inesgotável de histórias interessantes…

Está neste momento no processo de produção do filme “Ancoradouro do Tempo” e com texto escrito por Mia Couto. Que personagens e cenários nos traz o filme?

Acabamos de rodá-lo na Ilha de Moçambique. É uma história que se passa na fortaleza de uma ilha a que ninguém tem acesso (aqui está o simbólico). Os personagens são pessoas desagregadas da sociedade, confrontam-se com um inspector de uma investigação de um crime ali ocorrido que teve, no passado, ligacões ao local. Teve a presença próxima do Mia Couto que aliás, é o autor da obra original “A varanda de frangipani”) e co-escreveu comigo o guião numa incursão artística que é nova no escritor e que, por isso, foi fantástica. Foi todo rodado na fortaleza, que é um cenário que fala por si.

É gestor de uma histórica sala de cinema, o Scala, como é essa experiência?

Antes da pandemia fazíamos sessões regulares de cinema moçambicano que estamos a retomar agora. Com boa presença. Estamos a retomar isso e o púbico tem correspondido. Mas é claro que hoje existem os PCs e existem as TVS e o que acontece é que as salas estão desadequadas para as realidades de hoje e os custos de uma eventual reconstrução são pesados. Mas o Scala não é só cinema é um centro-cultural, e é também um lugar histórico. Se for possível, queremo-lo manter assim. Claro que se tivéssemos apoios seria melhor.

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