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Radjha Ali e os seus temperos de Nampula

Radjha Ali e os seus temperos de Nampula

Texto: Leonel Matusse Jr.

Foto: Mauro Pinto

Edição 72 Mar/Abr | Download.

Radjha Ali e os seus temperos de Nampula

As raízes da música de Radjha encontram-se em Nampula, mas também mistura mapiko e xigubo

Os corredores do Fatima’s Backpackers, instalado na praia do Tofo, estão perfumados pelos aromas da cozinha do Chef transportados pelo vento. Mas o que chama atenção de Paulo Borges, engenheiro de som e proprietário do Gil Vicente Café Bar, é a voz que canta com temperos árabes do litoral da Ilha de Moçambique.

“É o Radjha Ali”, responde já habituada a pergunta Fátima Vieira, proprietária do Backpacker e do Restaurante Café Centenário, na Marginal de Maputo, onde Radjha trabalhava o ano inteiro. Tofo era quando a demanda exigisse.

“O Paulo convidou-me aos jam sessions do Gil Vicente”, recorda, de costas para o palco da Sala Grande do Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), em Maputo. No dia seguinte, abriria a temporada deste ano.

Cedo, sob orientações da madrasta, o compositor e intérprete nascido no distrito de Muecate, em Nampula, na década 80, aprendeu a cozinhar. Sempre a cantar. A avó, com quem morou mais tarde, dizia que os vizinhos sempre sabem quando ele está em casa.

Ainda na infância descobriu na música a sua flor de encanto para a transcendência. “Cantei para o louvor”, conta entusiasmado Radjha Ali, que possui uma licenciatura em Teologia no Seminário Bíblico Teológico de Maputo e uma formação em Música no “Instituto Canzion”. Está por terminar a segunda licenciatura em Música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM).

Entre 2005 e 2006, teve o primeiro contacto profissional com a arte que o guia, no Exército. Os seus superiores, tendo atenção nas balas letais que carrega entre as cordas vocais, o enviaram para a Escola Nacional de Música das Forças Armadas de Moçambique.

“Antes eu cantava, mas lá aprendi técnicas, tive aulas de canto e dança”, situa. Recuperava assim o sonho de uma carreira que parecia perdida quando, em 2004, tendo sido escolhido pelo júri para representar Nampula no reality Fantástico, teve de ir à Tropa.

Desmobilizado, é com o consagrado “poeta dos acordes” Hortêncio Langa, seu docente na ECA, onde ingressou em 2016, que faz o seu primeiro dinheiro de música. “Foi um privilégio para mim”, conta a arrolar igualmente que partilhou os palcos com Roberto Chitsondzo e Rhodália Silvestre. Assim como, emocionado, recorda de ter sido estudante do guitarrista Jimmy Dludlu.

Frequentemente, a nossa conversa é interrompida. Ou uma chamada de conhecidos a desejar força. Ou a perguntar como conseguir o bilhete para o concerto do dia seguinte. Ou o técnico de luz que quer saber em qual das músicas vai dançar. “Em quase todas”, responde a este último e aponta as duas que serão excepção. Quando este vai, são os membros da banda que se aproximam para mais um esclarecimento.

Radjha Ali, que depois de ingressar na ECA passou a cantar em casamentos e casas de pasto, em 2020, com a pandemia a apertar, em busca de fazer algo que não o parasse, decidiu fazer alguns covers dos músicos e das músicas que mais gostava como “Mama Osileze” de Aida Humberto, que ouvia na rádio na infância, e “Mwanuni” da Banda Eyupuro, num tributo a Zena Bacar.

Os covers tiveram tanto sucesso que foi convidado para um reality show de música designado “Vozes que encantam”. Venceu e as portas se abriram. Voou à Expo Dubai para representar Moçambique por indicação da ministra da Cultura e Turismo, Edelvina Materrula.

No dia do concerto, até às 15.00, o CCFM anunciava que os bilhetes estavam esgotados para a frustração de muitos admiradores que, até às 19.00, meia hora depois da anunciada para o início, aguardavam por um milagre.

Subiu ao palco vestindo calças de capulana amarradas nos extremos da cintura, que já é uma marca do seu figurino, inspiradas nas vestes dos homens do interior de Nampula com falta de dinheiro para comprar roupas convencionais. O público vibrou ao ouvi-lo libertar o seu canto e música com as raízes em Nampula, como se pode perceber na sua apropriação de namahanja, mwasepwa, n’sope e tufo. Mas também, pelo que se ouviu, mapiko e xigubo. As suas músicas, maioritariamente cantadas em emakhuwa, contam estórias sobre o que vive, vê e ouve.

Edição 72 Mar/Abr | Download.

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