VIRGÍLIA FERRÃO – “Não me via como autora”
Virgília Ferrão, aos 36 anos de idade, é autora de três romances. Pelo mais recente, “Sina de Aruanda”, lhe foi atribuído o Prémio 10 de Novembro de Literatura. Sua escrita é reveladora de uma criatividade particular na literatura moçambicana, ela que nem se imaginava a publicar livros.
Estreia com um romance aos 19 anos. E com um pseudónimo Awaji Malunga. Nessa altura, escrever e ser autora o que significava?
O mundo da escrita (e da leitura) começou, para mim, como um refúgio. O meu passatempo favorito era criar outros mundos e depois viver nesses mundos. Acho que por isso passava muito tempo ausente da realidade. Até hoje dizem que sou uma pessoa que sonha acordada. Então, acho que, quando comecei, a escrita não tinha outro significado, senão esse. Era um exercício muito particular e privado. Nunca havia passado pela minha cabeça a possibilidade de me tornar escritora como tal. Lembro que terminei o meu primeiro manuscrito (não publicado) em 2003 e o segundo em 2004. O mundo da publicação me era completamente alheio, não sabia sequer que publicar era uma possibilidade. Talvez daí ter optado por usar um pseudónimo. Não me via como autora.
O seu primeiro livro “Romeo é Xingondo e a Julieta Machangana” (2005) traz-nos uma realidade moçambicana, as assimetrias sul-norte e as suas complexidades em termos de identidade e aceitação. Fale-nos um pouco desses contrastes.
“O mundo da escrita (e da leitura) começou, para mim, como um refúgio”.
Na altura, pouco entendia sobre o termo Xingondo. E, quando a minha mãe me explicou, eu disse para ela: “afinal? mamã, eu vou escrever uma história que será o Romeu é Xingondo e a Julieta Machangana”. Penso que na minha cabeça a ideia surgiu como uma provocação, uma forma de reflexão sobre o que nos afasta e o que nos aproxima. Quis explorar o clássico de Shakespeare, porque a história de amor e conflito que traz é contada e recontada em diversos contextos pelo mundo fora. Eu queria explorar isto, na vertente moçambicana. É claro que a áurea cor-de-rosa que me circundava conduziu-me a uma história menos dramática. Hoje, talvez, fosse diferente.
E depois publica “O Inspector de Xindzimila” (2016), género policial. É o quebrar de barreira na realidade moçambicana?
Apenas escrevi a história que queria contar. Sempre gostei de usar elementos como o suspense e o mistério nas minhas narrativas. No “Inspector de Xindzimila”, penso que isso se consolidou. Mas voltando à tua pergunta, hoje posso dizer que sim, vim mais tarde a perceber que foi um bom desafio, por este ser um género ainda pouco explorado na nossa literatura. Fico feliz por ter podido dar um contributo nesse sentido.
No livro “Sina de Aruanda” (2021) a temática do meio ambiente cruza a sua narrativa. Será também por influência do seu trabalho na área?
Sim, no caso de “Sina de Aruanda”, nasce da paixão pelo direito do ambiente, enquanto estudante. Enquanto profissional, fiz uma especialização nessa área e é uma área em que actualmente trabalho. Acho uma causa importantíssima. Tudo isto, em parte, creio eu, contribuiu para que optasse por essa abordagem.
E há mais e outras estórias por contar?
O universo é cheio de mistérios. Enquanto cá estiver, será um privilégio poder explorar as infinitas histórias que ele nos oferece. É um exercício de aprendizagem, contínuo e, no processo, estou eu também a tentar descobrir-me.
Edição 72 Mar/Abr | Download.
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