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Texto: Elton Pila

Foto: Amilton Neves

Edição 72 Mar/Abr | Download.

Chidenguele – A paisagem como personagem

Cerca de 280 quilómetros depois, pedras alvas colocadas meticulosamente sobre uma duna pejada de verde anunciam o destino. A vila é pacata, animada pelos sussurros de mulheres e de homens que chegam do pequeno mercado de venda de produtos frescos, na margem da estrada onde sopram ventos salgados como se mostrassem o caminho para o mar a que chegaríamos.

Por estradas de terra, abertas em trilhos onde se impõem árvores selvagens e manadas de bois que ruminam a refeição anterior, uma lagoa espreita, como uma língua que sibila em direcção à areia fina e quente. Depois a perdemos no horizonte. Voltamos a encontrar neste espaço que fez da sua presença o nome: Lake View Resort. Nhambavale — é assim que a chamam e descobrimos aqui onde a lagoa se anuncia maior, quase um mar; mas, apesar da incitação dos ventos, aprendeu a paciência de permanecer no mesmo lugar. Mas não se deixa ver toda, há um elevado pedaço de terra, a insinuação de uma colina, que se interpõem. Ao entardecer, a imagem que temos é do sol com os raios em implosão a assentar por detrás da colina, longe dos nossos olhos, como um bebé que se aninha ao colo. Mas deixa o rasto sobre as águas, como se anunciasse os caminhos dos mundos em que o dia não cede à pressão da aproximação da noite. A esta altura, a lagoa veste o laranja do fogo-fátuo, o verde das árvores na margem embaladas pelos ventos que trazem sempre a lembrança do sagrado-sal. Outra vez, o mar. Já a lua, que se começou a apresentar discreta, quando o sol era ainda presença física, enche-se até se tornar uma íris prateada sobre o pano negro da noite — há piratas que nos espreitam do céu.

No Lake View, a lagoa Nhambavale se anuncia maior, quase um mar; mas, apesar da incitação dos ventos, tem a paciência de permanecer no mesmo lugar.

Ao entardecer, o sol deixa o rasto sobre as águas, como se anunciasse os caminhos dos mundos em que o dia não cede à pressão da aproximação da noite.

O mar a que chegaríamos no dia seguinte é violento, a lembrar a violência do mar que fez de Barcolino — de que conhecemos a triste história — um morto-vivo, no romance de Lucílio Manjate em que o mar é paisagem e personagem.

Este mar, o de Chidenguele, cresce com a espuma das ondas para matar a sede da margem-deserto. Naquela paisagem de dunas coroadas por arbustos que o vento ergueu da areia esbranquiçada, em que o sol é cortante, caranguejos alaranjados se deixam ver por momentos fugazes, antes de se entocarem pela ameaça das nossas pegadas vincadas na terra humedecida. As tocas, presumo já ter ouvido, ao mesmo tempo que servem de um lugar para que os caranguejos se protejam, dizem muito do tamanho do macho que as escavou e que se encontra dentro, o que facilita para que as fêmeas possam escolher a toca de leito e o macho para o acasalamento.

A lagoa, de água salgada pelos ventos do mar, também permite mergulhos.

Inteiramo-nos então das estacas implantadas como suportes de um dossel para pequenos bancos e mesas feitos de troncos, carcomidos pelo tempo, mas que resistem em nome do que já foram um dia ou do que podem sempre voltar a ser: espaço de celebrações de amor com o mar a servir de trilha. Este é o lado da praia para quem sonha com a intimidade do mar, sonha em aprender o segredo das marés que fizeram nascer a terra e toda a vida que se seguiu. Os búzios que chegam anelados pelas ondas sussurram aos nossos ouvidos essas histórias.

Mas como se houvesse uma invisível cortina de ferro, como se as águas fossem outras, existe um outro lado desta praia para quem quer o reencontro com a humanidade. Se pensávamos que os longos períodos de confinamento pudessem fazer também a humanidade perder o hábito das manhãs, que os homens e mulheres voltariam como se caminhassem em marte, ao primeiro sinal de liberdade; as imagens que nos chegam daqui desmentem. Há um grupo animado de adolescentes que joga à bola; um casal que se diverte com o esbatimento das ondas nas conchas; crianças que constroem os castelos que ruirão na primeira grande onda; amigos que fazem das mãos bases que servem de mola impulsionadora para piruetas que os devolvem ao mar. Percebemos então por que os pássaros, ainda que criados em cativeiro, não desaprendem a ambição de chegar às nuvens.

COMO IR

Da cidade de Maputo é uma viagem de carro de perto de 280 quilómetros. Para chegar a lagoa terá de fazer pouco mais de 20 e depois para a praia perto de mais 10 quilómetros.

▶ O QUE FAZER

Uma ida à praia, do lado mais silencioso, permite este reencontro com o mar. O lado mais agitado dá esta imersão na experiência com os outros sempre necessários. A lagoa, de água salgada pelos ventos do mar, também permite mergulhos. Mas, se quiser chegar mais longe, existem as motas de água que podem ser alugadas nas estâncias hoteleiras. Caminhar a cavalo sobre o mar, esta imagem cinematográfica, é sempre revitalizador.

▶ ONDE COMER

O restaurante do Lake View Resort oferece uma carta mais clássica. Mas pode ir experimentando as cozinhas de vários restaurantes ao longo da lagoa ou da praia, com uma carta, profundamente, marcado pela terra e pelo mar.

ONDE DORMIR

Há várias estâncias hoteleiras. Mas o Lake View Resort permite esta imersão profunda na experiência da lagoa Nhambavale.

CUIDADOS A TER

Estar sempre a bordo de uma viatura 4×4, sobretudo, no trilho para a Praia, onde o terreno se torna ainda mais traiçoeiro, é indispensável. Conduzir atento aos trilhos, afinal caminham sempre aldeões e manadas de bois levadas a pastar. A praia é relativamente violenta, o mergulho precisa de cuidado.

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