Vilanculos – A memória do sol
À saída do mar, estão homens e mulheres apoiados em pequenos pedaços horizontais de paus entrelaçados em uma corda como se traçassem uma fronteira que os separasse. Todos de costas para a margem e de frente para o mar a puxar as redes da faina de uma noite menos longa do que as dos dias mais frios, mas que a luz alva da lua continua a servir como este farol a mostrar o caminho da manhã aos noctívagos.
Puxam as redes como se também arrastassem parte do mar para trazê-lo a margem, amaciando assim a areia em brasa e talvez voltassem a dar a vida navegadora a um grande barco atracado em terra firme feito de madeira, pintado a azul e vermelho, a lembrar o dos dilúvios bíblicos e de recomeço de vidas que já pensávamos perdidas. Quantos dilúvios hoje seriam necessários para curar as feridas da humanidade?
Os corredores onde o mar é mais azul do que o céu sugerem a rota de corais em que distante da azáfama imposta pelo roncar dos motores das embarcações podemos ver o enlaçamento de coloridos peixes para salvar uma humanidade que vai morrendo um pouco a cada dia de pesca, um aquário de resistência a céu aberto.
Um casal risca com o dedo indicador um coração na areia húmida, cada um faz a sua metade e os dedos de ambos embatem-se na ponta inferior, um desenho conjunto a que rapidamente uma leve onda se sobrepõem, mas que quando regressa deixa um curso de água em coração que continua a reflectir o sol como pequenos pedaços de vidros, o amor ainda pode ser brilhante.
Um pequeno grupo de mulheres aguarda ansioso pelo regresso da rede empeixada do mar, sentadas em baldes que dali a mais um pouco estariam pejados de peixes, cantam músicas como se acelerassem os passos dos pescadores assim meio moonwalk, este movimento que Michael Jackson eternizou e nos colocou a pensar que a vida não é apenas sobre dar passos para frente e que há alguma dignidade e graça em dar passos para trás, ainda que seja apenas para criar balanço ou, como agora vemos, para trazer parte do mar a margem.
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Sopra uma leve brisa que coloca nos lábios o salgado que sabe a mar. O sol já se agigantou, como se cuspido por um mar que se move sereno como os braços de uma mãe que quer embalar o sono do filho.
O chão em chamas leva-nos as ruas não tão estreitas, mas também não tão abertas, que permite que cada rosto com que cruzamos torne-se, imediatamente, um novo conhecido, longe da impessoalidade das grandes cidades que fazem de cada pessoa apenas um vulto.
Os corpos não suportam mais as vestes que roçam os calcanhares ou que se estendem para fechar o pulso. Não são mais tempos de insinuações, são da mostra de silhuetas em todo o seu esplendor, ainda mais numa cidade abraçada pelo índico das chegadas e partidas e de início de toda uma vida até então desconhecida.
A vida humana, vegetal, sabores e cores de Vilanculos ganham vida a cada passo que damos.
A alma das cidades acabam estando sempre escondidas entre as bancas dos mercados informais.
Os mercados são a oportunidade de conhecer os sabores de Vilanculos ainda em “estado bruto”.
Mas a alma das cidades acaba estando sempre escondida entre as bancas de mercados informais, em que vozes se sobrepõem para chamar atenção de quem passa, de um freguês forasteiro que tem ali a oportunidade de conhecer os sabores de Vilanculos ainda em “estado bruto”, porque as viagens também se fazem pela boca.
É estranha a sensação de novidade, é como se a descoberta – para nós – de um mundo novo fosse ao mesmo tempo um acto de criação desse mundo, como se existisse um Vilanculos antes da nossa chegada, o das praias turísticas e dos rankings que o colocam como um dos melhores destinos de África; e outro depois, que começa a ganhar a vida humana, vegetal, sabores e cores que permite que o toquemos em cada passo dado.
Não muito distante, visitaríamos o Mozambique Horse Safari, esta imagem cinematográfica que são os cavalos em galope sobre as águas e que, com alguma coragem, nós mesmos nos colocaríamos ali por cima.
Os cavalos dão sempre esta grande lição sobre servir o outro sem deixar que a nossa graciosidade se perca. E pensar que a história destes cavalos vem de tão longe, do Zimbabwe de Robert Mugabe, cada vez que pisam o mar é como se quisessem arrefecer os pés abrasados por um longo percurso.
Mas quando a noite cai e o mar torna-se um território movediço, onde só os pescadores têm coragem de se mover, as ruas de Vilanculos ganham uma nova vida, com bares feitos discotecas em músicas altas, os corpos colados em suor e tudo o que a noite pode sugerir. É como se a cidade, de repente, se tornasse o centro de todas as pessoas do mundo.
▶ COMO IR
Há voos directos da LAM de Maputo para Vilanculos, além de ligações regionais.
▶ O QUE FAZER
Sentar para ver as vidas que se desenrolam no mar e a partir do mar é sempre tentador. O pôr-do-sol é sempre inesquecível, mas o nascer dá muita energia para o dia. Mas com tempo pode sempre visitar o Mozambique Horse Safari e andar em cavalos como nos filmes do velho faroeste, com a sorte de os ter no mar.
▶ ONDE COMER
As viagens são também feitas pelos sabores que marcam um determinado lugar. A Casa Babi, que já tem cartão-de-visita de ser um dos melhores bed and breakfast de África, é um desses lugares que sabe a Vilanculos. Mas pode sempre experimentar a infinidade de casas de restauração.
▶ ONDE DORMIR
Há várias estâncias hoteleiras ao longo da costa de Vilanculos, com o mar, literalmente, à porta.
▶ CUIDADOS A TER
Chapéu, protector solar e água devem fazer parte do kit se visitar Vilanculos nos verões que são sempre ardentes. Vista sempre roupas frescas. Ao fim do dia, lembre de colocar repelente contra insectos.
Edição 70 Nov/Dez | Download.
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