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Texto: Elton Pila

Fotos: Jay Garrido

Edição 69 Set/Out | Download.

Beira – Uma viagem em contra-relógio

Chego à cidade da Beira quando já se viviam os dias cinzentos impostos pela pandemia, com as máscaras nos rostos que impediam que se visse o verdadeiro rosto da cidade. Se o olhar nos transmite o espírito, a boca e o sorriso são o cartão de visita do rosto.

Na marginal, sopra uma brisa impregnada de sal, adolescentes jogam futebol na margem possível como que a ignorarem a revolta de um mar que parece querer engolir tudo. O bar em que me sento, mesmo à beira mar e que parece que se vai esvair a qualquer momento, é dos poucos lugares em que ainda se podem ver os rostos sem máscaras, em que qualquer conversa se torna num momento de liberdade.

Com a pandemia a impor dias menores, Beira pedia passos mais rápidos, mais largos, uma corrida em contra-relógio, como se tivéssemos medo de que a qualquer momento o nosso roteiro fosse desfeito, que tudo de repente se esfarelasse na mão dura do tempo.

A cidade parece estar em metamorfose constante, num pêndulo que nunca tem pouso fixo. A luz sépia do passado é ainda presente e não dá para deixar nada para o futuro de que não temos garantias que chegará. Na dúvida, melhor abarcar tudo o que o olhar permitir, na mesma ambição de Pahóm de Liev Tólstoi na esperança de que tenhamos um final mais feliz. É tudo em nome da memória futura, que será tudo o que teremos quando a memória física deixar de existir.

O antigo Palácio dos Casamentos começa a ceder ao peso das águas. Mas o mural do artista plástico Chicani, a conservar o azul céu, como se fizesse as vezes do mar que estava com as cores das monções, permanece intacto. Mas nunca sabemos até quando. Então ficamos ali a pensar em quantas fotografias foram tiradas depois de juras de amor eterno e desejamos que o amor seja mais eterno do que as paredes do edifício que ouviram as juras.

Bem perto, há o Grande Hotel, um monstro vítima da sua grandeza, a guardar a imponência que lembra outros tempos, tempos muitos distantes e que não voltam mais. O futuro chegou demasiado cedo e demasiado cedo virou passado. Agora, há ali outras vidas e outras histórias para serem contadas. Mas não deixa de ser um bom espécime do Movimento Moderno dos meados do século passado, em que também se insere a Casa dos Bicos mais para o centro da cidade. Era a Arquitectura a desafiar os padrões demasiadamente comedidos.

O antigo Palácio dos Casamentos começa a ceder ao peso das águas. Mas o mural do artista plástico Chicani, a conservar o azul céu, permanece intacto.

O Grande Hotel é um bom espécime do Movimento Moderno dos meados do século passado, em que também se insere a Casa dos Bicos.

Mas nem tudo é luz sépia, há um verde vibrante no Parque de Infra-estruturas Verdes e talvez seja por aqui que uma Beira do futuro renasça. É para ajudar na drenagem das águas das chuvas e ajudar a proteger a costa, ao mesmo tempo que se reactiva o mangal. Mas é mais do que isso, tem uma espécie de exposição permanente, com esculturas e murais, de artistas consagrados como Ídasse Tembe aos que são o futuro como AfroIvan. Mas tem também casas de restauração. É Ambiente, é Turismo, é Arte, é Cultura, é Comércio. Tudo no mesmo espaço a provar que podem ter soluções integradas. Estava ainda por ser aberto, quando visitámos. Talvez para lá voltaremos, para uma viagem mais demorada, sem a pressão do medo de que talvez a mão dura do tempo esfarele tudo.

▶ COMO IR

Há voos directos da LAM de Maputo à cidade da Beira, além de ligações regionais.

▶ O QUE FAZER

Os edifícios que marcaram um tempo pedem sempre uma visita, talvez a última possível. Deixar-se caminhar pelo Parque de Infra-estruturas Verdes vale sempre a pena ou mesmo pela marginal com a brisa impregnada de sal.

▶ ONDE COMER

Há cozinhas diversas na Beira, com várias casas de restauração. Peça, pelo menos uma vez, que lhe seja servido “o que não se pode sair da Beira sem provar”.

▶ ONDE DORMIR

Há uma infinidade de hotéis. De pensões modestas aos Hotéis de padrões internacionais. Mas ficar em um lugar que lhe permita chegar com a urgência possível nos locais em que quer visitar é sempre melhor. Nisto, o Lunamar pode ser uma boa opção.

▶ CUIDADOS A TER

Se visitar locais como o Palácio dos Casamentos tenha cuidado com os pisos, que parece que podem ceder a qualquer momento. Pelas famílias que estão lá a viver, uma visita ao Grande Hotel tem de ser sempre com autorização.

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