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Texto: Elton Pila

Fotos: Ricardo Franco

Edição 68 Jul/Ago | Download.

Omuhipiti – A Ilha de Saquina

As ilhas emergindo como se fossem cogumelos na longa paisagem azul-mar tornam-se uma espécie de oásis em sentido contrário, rasgos de terra no deserto-mar.

Nascida em Monapo e ida para a Ilha com dois anos, é prova ululante que só depois de vivermos muito podemos definir a nossa identidade.

Dos monumentos às gentes, a Ilha é esta invocação do misticismo. É o que nos confirma a imagem de Saquina, no restaurante a que dá nome, ali tão perto do mar e tão perto da Fortaleza. O rosto encoberto de m’siro, este pó a fazer as vezes de um véu, que esconde e ao mesmo tempo insinua o rosto que cobre, como se impusesse ao nosso olhar o desafio da revelação. “o m’siro/encantamento dos meus olhos/perfaz a tua insular imagem./No litoral do teu corpo/a apoteótica espuma/do orgasmo das ondas./ Ó júbilo na falésia do canto.” está muito nestes versos de Nelson Saúte.

A Ilha é a parte insular, mas também a continental, uma sendo a raison de vivre da outra. O continente apenas o é porque existem longos quilómetros de água a separa-lo de espasmos de terra firme.Nascida em Monapo e ida para a Ilha com dois anos, é prova ululante que, se o lugar de nascimento define a nossa origem, só depois de vivermos muito podemos definir a nossa identidade. “Eu sou da Ilha” – afirma 42 anos depois do nascimento, com as mãos em preparação de nimino, uma caldeirada de peixe e banana (que pode também ser feita com mandioca ou batata doce). As viagens são também sobre os sabores que marcam a memória do lugar. Mas o espaço que hoje se encontra o restaurante, que é paragem obrigatória para quem está de visita a Ilha, mesmo à beira mar, é também invocador de outras memórias. Em adolescentes namoros, Saquina ficava por longas tardes a assistir o sol a deixar-se engolir pelo mar e a noite a encobrir o céu a permitir a privacidade possível. Esta memória parece ainda física e Saquina não disfarça o sorriso. Afinal do mar para amar a distância é de um «a» invocador do «ah» que sugere suspiros de prazeres adormecidos.

Em Agosto, baleias e golfinhos vão dar à costa, para lá da Ilha de Goa.

A Ilha é a parte insular, mas também a continental, uma sendo a raison de vivre da outra. O continente apenas o é porque existem longos quilómetros de água a separa-lo de espasmos de terra firme. Uma viagem a bordo de uma canoa movida a vela e a motor, com os solavancos próprios das estradas de mar, deixa-nos no Palácio de Verão de Governadores, construído em 1765, hoje é uma ruína que convoca a História de mais de seis séculos. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios, erigida em 1579, numa arquitectura a lembrar o estilo manuelino próprio da época, é outra paragem obrigatória.

Saquina, com o rosto encoberto de m’siro, personifica o mistério que caracteriza a sua
Omuhipiti.

Dos monumentos às gentes, a Ilha é esta invocação do misticismo.

É esta a Omuhipiti – nome original da Ilha – de que Saquina se orgulha. A Omuhipiti histórica, mas feita também de matéria vegetal e viva como o mangal a sugerir um jardim no meio do mar em que se podem ver garças em leves ramos. A Omuhipiti que é o ponto de chegada, mas também de partida para a Ilha das Cobras, a Ilha de Goa, Ilha de Sete Paus, que emergindo como se fossem cogumelos na longa paisagem azul-mar tornam-se uma espécie de oásis em sentido contrário, rasgos de terra no deserto-mar.

Em Agosto, baleias e golfinhos vão dar à costa, para lá da Ilha de Goa. “Voltem nessa altura, com mais tempo. Vão conhecer outros pontos turísticos, outra parte da nossa história”, desafia-nos como se mais de 500 anos de vida fossem possíveis abarcar em menos de 500 anos de visita. Mas voltaremos. Talvez para lhe conhecer a casa, no bairro do Museu, onde os edifícios contam histórias de outros tempos, dos tempos em que não havia tempo e nem desejo que o tempo ficasse suspenso. Também para conhecer as ruas de fogo, invocadas numa canção popular, que apenas quem se deixa ficar por muito tempo na Ilha pode conhecer. Pouco mais de três dias não foram suficientes. De quanta Ilha precisa um homem?

 ▶ Como ir

Voe com a LAM até Nampula e de lá é uma viagem de carro de pouco mais de duas horas até a Ilha de Moçambique.

 ▶ O que fazer

A estada na Ilha de Moçambique é por si só uma experiência que vale a pena. Andar pelas ruas, entre a Cidade de Macúti e a de Pedra e Cal, visitar monumentos que recordam outros tempos, é estar perto de um momento histórico distante, mas que em muito diz sobre a humanidade hoje. Uma viagem de barco a Ilha de Goa e a partir dela repetir a rota dos navegadores portugueses é outro roteiro que a imaginação pede.

 ▶ Onde comer

Comer nimino ou a matapa de siro-siri ajuda a vincar a memória da Ilha de Moçambique. Pode experimenta-los no restaurante da Saquina. Mas há ainda a cozinha, sempre diversa, de vários restaurantes e hotéis espalhados por toda a Ilha.

 ▶ Onde dormir

Há uma infinidade de hotéis. Desde os que oferecem, pelo passado, uma sensação de dormida ao colo da História como a Quinta das Amoreiras ou que nos colocam defronte a um extenso mar e nos evade das urgências do mundo como o Villa Sands.

▶ Cuidados a ter

Estar atento a meteorologia quando quiser fazer viagens de barco vai ajudar a que não seja surpreendido por experiências turbulentas. Se visitar o Palácio de Verão dos Governadores, tenha cuidado aos pisos que o tempo tornou frágil.

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