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Texto: Elton Pila

Foto: Jay Garrido

Edição 67 Maio/Jun | Download.

Chimoio

Mais perto do céu

 

Ao longo da rocha há cursos de água que escorrem sem pressa de se fazer poças, talvez daí tenha surgido a ideia de que o “velho” chora.

Quando chegámos à cidade de Chimoio, a época era ainda de chuvas. Mas o sol impunha-se, o verde também; depois perceberíamos que, em épocas como essas, apesar de o Sol parecer omnipresente, a chuva está quase sempre à espreita, a dar espasmos, como se nos lembrasse que lá no céu manda ela. Chimanimani – a Reserva promovida a Parque – estava ainda fechada, seria uma grande chaga se a nossa viagem fosse de roteiros traçados. Mas se viagem é sinónimo directo de viver, como diria o escritor português José Luís Peixoto, e a vida não obedece a roteiros, descobrir, experimentar e explorar é a tríade verbal de quem se permite aventuras.

Depois de deixadas as mochilas no Hotel Castelo Branco, começámos o que em linguagem militar se chama de “reconhecimento”, este momento em que podemos pisar em terrenos movediços sem a vergonha ou culpa da nossa desatenção.

A profusão de moto-táxis, subindo e descendo pelas ruas asfaltadas ou de terra batida ou esburacadas, coloca a cidade em permanente movimento e o forasteiro – como nós o éramos – em permanente alerta. Dizer que Chimoio é uma cidade limpa é repetir o que já se sabe, o que não se sabe – e que testemunharíamos já noite alta – é das grandes vassouras de homens e mulheres que operam o milagre de deixar tudo limpo para cada manhã.

 

A memória da cidade está associada à Cabeça do Velho. Seguimos ao bairro Tambara 2 para encontrar o lugar em que se possa fixar esta escultura do tempo sobre a rocha. O verdadeiro nome do Monte é Bengo, mas quase ninguém se lembra de assim o chamar, é como se fosse uma daquelas alcunhas que nos colocam e que de tanto embirrarmos acaba ganhando força. Ficamos ali a tentar encontrar o queixo, o nariz, a cavidade dos olhos, as lágrimas que lhe incrustam tristeza, a testa, a cabeça de um velho permanentemente virada para o céu (que conversas terá com Deus?) cujo corpo parece estender-se por toda a cidade de Chimoio.

Conseguir distinguir as feições do rosto é animador, mas os montes são como o mar, a experiência só é completa quando nos deixamos absorver; este, que é naturalmente personificado, pede mais aproximação. Mas não seria logo naquele dia, havia outras coisas por descobrir: as praças e os jardins com artesanato; a cabeça do velho feita de pau-preto; alguns amigos em conversas para enganar o tempo, outros enamorados, uma cultura que já quase não se vê em grandes cidades.

 

Se Chimoio é uma cidade limpa, deve-se às grandes vassouras de homens e mulheres que operam o milagre de deixar tudo limpo para cada manhã.

Regressados ao hotel, com medo de que não conseguíssemos ver tudo o que há para ver, pela fugacidade do tempo, perguntamos à recepcionista o que não nos pode faltar. “Cabeça do velho”, diz-nos a senhora cujo nome é mesmo Recepcionista. A princípio parece gozo, como se ela, cansada de ver os hóspedes a sobreporem a função ao nome, já preferisse se apresentar assim. Mas, ante a nossa incredulidade, ela repete várias vezes e até torna o nome mais formal, Recepcionista Mateus. Não fosse a coisa dos bilhetes de identidade estamparem também o ano de nascimento – e ser uma indelicadeza saber da idade de uma mulher que não se tenha proposto a dizê-la – cometeríamos a indiscrição de pedir para vê-lo. Conformamo-nos, acreditando que é daqueles casos em que o nome já faz adivinhar o futuro de quem o carrega.

O dia seguinte amanhece chuvoso, mas logo o sol afastaria as nuvens negras. Já tarde feita, depois do almoço terminado com pudim, pelo açúcar gerador da energia que seria necessária para a escalada, já ali estávamos prontos. Há relatos de que a Cabeça do Velho é um monte que acolhe orações, cerimónias religiosas de pedidos de bênção, mas, ao que pudemos apurar (e para sorte de quem se propõe a escalar), não é um monte coberto pelo manto do sagrado a exigir rituais para subida; talvez um ritual individual invocador de resistência e de fôlego para a quase uma hora que leva até chegar ao cimo do “nariz” ou da “testa”, que são os pontos mais altos. Ao longo da rocha há cursos de água que escorrem sem pressa de se fazer poças, talvez daí tenha surgido a ideia de que o “velho” chora. A passada da subida é lenta, como se tivéssemos a ilusão de que afagávamos a cabeça do velho com os pés. Chegamos ao cimo, o céu mais perto, os edifícios longe, talvez a visão de Deus sobre a cidade.

A Cabeça do Velho é o maior marco da cidade, visível até no artesanato local.

▶ Como ir

Voe com a LAM a partir de Maputo, o aeroporto fica a poucos quilómetros do centro da cidade.

▶ Onde dormir

Chimoio é uma cidade pequena, mas, entre hotéis e guesthouses, há uma infinidade de estâncias hoteleiras. A equipa da Índico ficou no Hotel Castelo Branco, a poucos minutos do centro da cidade.

▶  Onde comer

O restaurante do Hotel Castelo Branco serve uma infinidade de pratos. Mas pode sempre ir ao centro da cidade onde há várias casas de restauração, como o Restaurante Mawa, que tem no menu também comidas caseiras; experimente a galinha cafreal ao molho de amendoim.

O que fazer

A Cabeça do Velho é a referência maior da cidade. Para ver, a entrada do bairro Tambara 2 é um local estratégico. Escalar é uma experiência que talha o corpo e a memória.  Caminhar pelas ruas à boleia dos mototáxis é também uma boa forma de descobrir a cidade.

▶ Cuidados a ter

Uma roupa fresca para escalar o monte, levar água e cereais para repor a energia que se vai perdendo na subida da Cabeça do Velho.

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